Inscrições rupestres: as Itaquatiaras do Ingá
Balduíno Lélis*
Desde 1951, atento às notícias vinculadas em jornais da terra, do sul e até mesmo do estrangeiro, fui aos poucos levado a pesquisar as Itaquatiaras (Pedras pintadas) do Ingá e outras do Nordeste; percorri milhares de quilômetros, em regiões secas ou demasiadamente pluviosas, como as da Serra do Ererê, fronteira do extremo norte brasileiro, perseguindo um sonho comum a todos os pesquisadores, que insistentemente têm procurado desvendar este maravilhoso mistério das inscrições rupestres, testemunhas silenciosas (!?) da Pré-História do nosso continente sul, e, talvez, chave definitiva do enigmático caminho dos povos nômades, formadores étnicos dos indígenas sul-americanos.
Todas as pesquisas nos conduzem, invariavelmente, a um raciocínio final e verdadeiro: coletar as inscrições por decalque direto, fotos, registro de locação e algumas outras providências que a técnica e o bom-senso científico recomendam, quando convocados, a falar sobre as Itaquatiaras, procedamos, mais como expositivos do que analíticos. Vamos então a um longo passeio no tempo, com os que fizeram desse enigma, objeto de suas pesquisas e registro de suas opiniões.
Os índios que habitavam a Serra de Bodopitá, ou serra Velha, como hoje é chamada pelos ingaenses, não davam notícia sobre aquela Pedra pintada, aos curiosos homens de pele branca, que se botavam sertão a dentro, à procura de riquezas ou de terras boas para a criação de gado. Quando perguntados, respondiam que nem os seus mais velhos sabiam quem havia feito aquelas “pinturas”. Bradônio,
Contudo, Bento Teixeira em carta ao cônego Joaquim Caetano Fernando Pinheiro, talvez tenha sido o primeiro informante ao comerciante judeu de nome Bradônio dessas ocorrências, já que sua carta data de 1598 e os Diálogos de 1618. Nela o pernambucano Bento Teixeira falava que, durante as andanças do Capitão-Mor Feliciano Coelho, em perseguição aos Pitiguaras, havia encontrado sinais cavados nas pedras dos rios daquela região. Daí então, conclui-se que, desde o final do século XVI, temos essas inscrições como objeto de curiosidade e enigma de viajantes e pesquisadores.
Elias Herckman em 1641 diz que “em suas viagens pelas regiões, ínvias e tenebrosas da Paraíba, se deparou com certas Pedras lavradas pela indústria humana”.
Padre Francisco Menezes, em sua obra Lamentação brasílica, assinala letreiros em pedras, gravadas em cinzel ou por outros instrumentos que ele desconhece, dizendo ao final que os glifos, se não fossem interpretados, pelo menos deveriam ser coletados para estudo, posteriormente podendo, quem sabe, resolver o problema da Pré-História do Brasil.
Cartas, relatos substanciosos de viajantes, artigos em jornais, revistas etc., publicados nesses quase 400 anos, desde Bento Teixeira aos nossos dias, deixaram somente essa curiosidade aumentada pelas mais diversificadas opiniões, sobre as inscrições lapidares do Ingá e de umas outras mil já coletadas por nós e outros pesquisadores. Temos, ainda, alguns “interessados” na divulgação desses “rabiscos lúdicos, meras brincadeiras de índios preguiçosos”, no dizer de alguns menos avisados cientificamente; é que são desconhecedores das evidências arqueológicas da passagem, por nossas terras e de toda a América do sul, não só de uma, mas de vários hostes de pintores primitivos ou gravadores litográficos de nossa pré-história, comprovada pela superposição de gravações nas faces dos matacões ou monolitos previamente polidos para tal mister.
Muitas foram as interpretações de historiadores ilustres e pesquisadores renomados do Brasil e do estrangeiro sobre essas inscrições lapidares, alguns chegando ao despautério de dar como obra de povos de outras latitudes como fenícios, egípcios etc., e até chegaram a publicar traduções literais do Ingá, como se fosse um registro de navegantes de Sidon, desesperados pelo naufrágio do seu barco e contando a sua angústia por se encontrarem perdidos nessa outra parte do mundo e dizendo terem sacrificado um jovem para aplacar a ira dos deuses, causadores daquele infortúnio; tradução essa baseada em uma carta reconhecidamente apócrifa, pelas provas documentais hoje conhecidas cientificamente como sem nenhum valor.
Sejamos pois práticos e objetivos: desçamos, portanto, ao exame puro e simples das inscrições através do monolito do Ingá, a maior e a melhor representação dessas lapidares, tomando-a como protótipo e visão comparativa das demais.
O monolito do Ingá, conhecido como pedra lavrada ou itaquatiara do Ingá, localizado nas proximidades da cidade do mesmo nome, apresenta-se como um grande bloco de rocha granítica, emergente do leito do rio Ingá, apresentando, ainda hoje, a despeito do esfoleamento natural da rocha pelo intemperismo e ação térmica diferenciada, a aparência de polimento efetuado por mãos humanas como o evidente propósito de proteger as inscrições, em meia cana, ali inseridas.
*Museólogo, membro da Sociedade Paraibana de Arqueologia e pesquisador da Universidade Livre para o Trabalho.
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